Programação de computador soa como uma coisa complicada, algo para poucos. Ou não? Nos últimos anos, ganha popularidade a crença de que a programação deve ser ensinada para as crianças nas escolas, do mesmo modo que é ensinada a matemática e a escrita. Movimentos internacionais como a Hora do Código (Hour of Code) e personalidades como Barack Obama, Mark Zuckerberg e Bill Gates promovem a causa, e diversas instituições de ensino no Brasil e no mundo – inclusive da rede pública – já oferecem esse conhecimento aos seus alunos. O TechTudo conversou com convidados e palestrantes do 17° Fórum Internacional Software Livre (FISL) – evento de tecnologia livre que ocorre de 13 a 16 de junho em Porto Alegre – para saber mais sobre essa tendência na educação dos alunos.

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Visão geral do FISL (Foto: Divulgação/Camila Cunha - FISL)

Pensamento computacional

Programar significa planejar, organizar uma programação. O ensino nada mais é do que o ensino do pensamento lógico aplicado a um determinado fim. Apoiadores da programação para crianças apontam que o ensino desenvolve a habilidade de resolver problemas, dentro e fora do computador.

Acho que é uma nova maneira de ler e escrever 
Marcela Santos, SENAC

“Acho que é uma nova maneira de ler e escrever”, opina Marcela Santos, professora do SENAC e especialista no ensino de robótica para crianças. “Eu digo para as crianças que eu estou dando superpoderes a elas”, conta.

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Um dos superpoderes que vem junto com o aprendizado da programação é o chamado pensamento computacional. Segundo Marcela, isso significa aprender a resolver problemas como um computador faria, quebrando-os em pequenas etapas, uma linha por vez.

“Por exemplo, para organizar uma festa, eu não faço tudo de uma vez, eu quebro em pequenas tarefas. Primeiro eu cuido disso, depois daquilo. Isso é pensamento computacional”, explica.

Do mesmo modo, para programar um semáforo, precisamos ensinar uma cadeia lógica de regras ao computador.

A professora Marcela Santos do SENAC ensina programação a um estudante (Foto: Giordano Tronco)

“A primeira coisa que eu tenho que fazer é ligar a luz verde. Se nada acontecer, o semáforo ficará verde. Se o pedestre apertar o botão, fica vermelho durante um tempo, enquanto o pedestre atravessa”, explica. Com apenas essas duas instruções (“se nada acontece = verde”, “quando botão pressionado = vermelho por x segundos”) temos um código de programação.

Começando cedo

Como os princípios da programação são os mesmos do raciocínio lógico, eles não exigem grandes conhecimentos em matemática ou engenharia. Por isso, podem ser aprendidos por qualquer um desde o clico básico. Até mesmo por crianças de apenas três anos.

Isso não quer dizer, entretanto, que crian

... ças que nem aprenderam a contar agora estão programando aplicativos para smartphones e tablets. Estamos falando dos princípios básicos, da linguagem por trás da programação. Às vezes, isso nem precisa de computador.  O primeiro contato dos alunos do instrutor de robótica Eloir Rockenbach com a programação são jogos de lógica feitos de madeira, do tempo em que nem existiam computadores. Usando, as crianças aprendem, no tato, como as coisas se encaixam.
Jogos lógicos de madeira (Foto: Giordano Tronco)

O próximo passo é apresentar às crianças o Jabuti, tecnologia livre desenvolvida por Eloir para o ensino da programação. Trata-se de um carrinho circular controlado por meio de um programa de computador. Para movimentá-lo, a criança deve montar um programa de atividade: andar pra frente, girar para a esquerda, andar mais uma vez. Apenas depois de inserir todas as instruções, a criança aperta o botão e confere se a programação corresponde ao movimento que ela havia imaginado para mover o Jabuti.

“Fizemos vários módulos de software para fazer com que qualquer pessoa entenda como programá-lo”, explica Eloir. “A criança se apropria da lógica de programação de forma lúdica e fácil”, afirma.

O robozinho Jabuti (Foto: Reprodução/Jabutiedu.org)

A maioria dos exercícios de programação infantis são variações de um caminho para fazer o robô ou personagem andar do ponto X até Y. Francisco Isidro Macedo, curador do  Programaê!, voltado para o ensino da programação, utiliza jogos virtuais que simulam no computador uma dinâmica parecida com a do Jabuti. O jogador deve programar a movimentação de personagens famosos como a princesa Elsa, do filme Frozen, ou os pássaros raivosos de Angry Birds.

Usamos personagens, que são do dia a dia deles. Nessa brincadeira estamos botando um monte de conceitos implícitos 
Francisco Macedo, Programaê!

Macedo acredita que o maior problema com os alunos é o imediatismo. "Se algo dá errado, eles dizem 'deixa pra lá'. Por isso, nós, os professores, temos que motivá-los. Usamos personagens, que são do dia a dia deles. Nessa brincadeira estamos botando um monte de conceitos implícitos”, diz.

Os games pedagógicos utilizados por Macedo são desenvolvidos pela Code.org, uma organização que promove o ensino de programação no mundo. Em seu site, a Code.org (code.org) disponibiliza gratuitamente diversos games baseados nos personagens de Minecraft, A Era do Gelo, Plants vs Zombies e tantos outros.

Conforme o Ensino Fundamental avança (e os alunos vão ficando mais talentosos), é possível usar ferramentas pedagógicas mais complexas, como o Scratch, desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). A etapa mais avançada é a programação de pequenos robôs, utilizando placas e interfaces eletrônicas, de preferência com código aberto, como o Arduíno.

Francisco Isidro Macedo, curador do Programaê! (Foto: Giordano Tronco)

E os professores?

Não faltam soluções acessíveis para ensinar programação às crianças. Com o uso de software e hardware livre, as escolas, inclusive as públicas, podem oferecer facilmente esse conhecimento aos seus alunos. Mas a pergunta é: há professores preparados para isso? A capacitação dos professores talvez seja o grande gargalo para que o ensino da programação avance nas escolas.

Juliano Bastianello e um de seus robôs (Foto: Giordano Tronco)

“A maioria dos professores é da geração X, uma geração que pegou a tecnologia conforme ela foi andando. Os alunos são da Z, uma geração que não pára, já nasceu com tudo isso. Às vezes o aluno sabe mais de uma coisa do que o professor”, sintetiza Juliano Bastianello, coordenador do projeto educacional ROBOED.

Bastianello e seus parceiros do ROBOED apostaram no caminho longo: ensinar programação aos professores para, só então, num segundo momento, chegar até os alunos. Desde 2015, o grupo desenvolve um trabalho de capacitação com professores da rede de educação pública estadual do Rio Grande do Sul. Para participar não é preciso conhecimento prévio, basta estar interessado no assunto. De fato, Bastianello dá preferência para professores de áreas como Educação Física e Artes, para mostrar que programação pode ser trabalhada em qualquer disciplina. 

“Ensinamos até mesmo como apresentar a proposta para a escola, como convencer alunos e colegas da importância. Não adianta o professor querer e não ter respaldo da escola”, explica Bastianello.

Quanto custa ensinar programação?

O professor também ensina como combater a escassez de verbas para as atividades: reaproveitando componentes eletrônicos. Os kits de robótica, se comprados pela Internet, custam cerca de R$ 800. Reaproveitando material eletrônico descartado, é possível conseguir um kit completo por R$ 100. Com cerca de seis kits, os professores conseguem incluir todos os alunos de uma turma. Bastianello conta que a resposta dos professores tem sido positiva.

“Eles contam que a maioria dos alunos vê disciplinas como Matemática e Física com mais entendimento, entusiasmo. Ao mexer com os robôs eles entendem conceitos como elétrons, corrente, fenômenos de peso e massa. Aprendem química, pois sabem que alguns materiais são tóxicos. Aprendem inglês, que é a linguagem dos códigos de programação”, conta.

Além do ROBOED, o Programaê! também atua na capacitação de docentes. No site da iniciativa há diversas atividades para os mestres, bem como planos de ensino para os professores. Macedo, do Programaê!, entende que essas soluções podem gerar um futuro melhor para crianças e professores.

“O céu é o limite, para nós e para essa gurizadinha. Agora é só colocar em prática”, encerra.



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