Cuphead é um jogo de tiro (run ‘n’ gun) e plataforma com uma grande ênfase na luta contra chefões. Disponível para Xbox One e PC Windows e desenvolvido pelo estúdio indie Studio MDHR, o título é inspirado em desenhos dos anos 1930 desde seu visual até a trilha sonora, que é original e toda em jazz. Em tempos em que games prezam pelo realismo, um título que queira seguir para o menos real e tecnológico e  mais manual e retrô é bastante raro. Mas não se engane! Não é porque o visual é bonitinho que Cuphead é fácil. Confira a análise do primeiro jogo do Studio MDHR no TechTudo: 

UM TRABALHO PARA O DIABO

O jogo começa como se fosse um livro. Cuphead e Mugman são dois irmãos travessos que moram em Inkwell Island e adoram uma aventura. Um dia, brincando longe de casa, decidem ir ao Cassino do Diabo (Devil’s Casino) mesmo contra as indicações de Elder Kettle, Chaleira Anciã, responsável pelos dois. Lá, eles ficam encantados com a jogatina e começam a ganhar desenfreadamente, chamando a atenção do Senhor Rei Dado (Mr. King Dice), gerente da casa de jogos.

Cuphead, Mugman e Senhor Rei Dado no Cassino do Diabo (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Os dois meninos se sentiam invencíveis até que o Diabo, dono do local, chegou e propôs aumentar as apostas: os dois poderiam ganhar todo o dinheiro da locação se ganhassem, porém, caso perdessem, eles lhe entregariam a alma. Cuphead aceita, mesmo após o irmão não parecer tão certo.

Como já imaginado, os meninos jogam os dados e perdem, começando a implorar por suas vidas e dizendo que deveria haver outro jeito. O Diabo, então, diz que se Cuphead e Mugman conseguissem coletar todas as almas de uma lista de devedores, ele perdoaria os dois. Eles teriam até a meia-noite do dia seguinte para conseguir todas as almas.

O Diabo pede a Cuphead e Mugman colherem as almas dos devedores (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Ambos correm para a casa da Chaleira em busca de um conselho. O senhor concede aos garotos o dom de atirar pelos dedos e, entrega, em seguida, o tutorial do jogo. Após aprender todos os controles, você pode sair pelo mapa para explorar e começar a coletar almas para o Diabo.

É assim que o game começa.

 

DE VOLTA AOS ANOS 30

O visual do jogo é baseado em jogos de 8 e 16 bits, além de, claro, cartoons dos anos 1930 - mais especificamente aqueles produzidos por Max Fleischer, tal como Betty Boop e Popeye.

O visual de Cuphead é baseado em animações dos anos 30 (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Os desenhos de Fleischer eram caracterizados pelo estilo “rubber hose”, no qual os personagens não têm juntas ósseas, e pelo uso do rotoscópio, um método de animação em que se usa um referencial de uma cena para desenhar a cena seguinte – o que normalmente gera um constante movimento das linhas dos contornos do desenho final.

A preocupação da arte do game é tal que tanto o cenário como os personagens são desenhados à mão. Também não se pode deixar de falar da trilha sonora original regada à jazz. De acordo com a produtora, existe uma gravação de duas horas e meia de músicas escritas exclusivamente para o jogo.

... t2/f/original/2017/10/04/4.png" title="Cuphead (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)" width="">Em Cuphead, também havia o "rubber hose" típico de Fleischer (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

O estilo musical está presente em todos os momentos e, em várias vezes, se renova com batidas de tambor, um cantor com voz mais grave ou etc. Um dos momentos que particularmente me chamou bastante atenção foi ainda no primeiro mundo em uma batalha com uma Flor (Floral Fury). Gradativamente, a música, que começou suave, ganhou batuques típicos do samba. Estereótipos à parte, é como se o jogo dissesse que o clima tropical combinasse com o ritmo.

Outra coisa bastante diferente é a voz que inicia cada fase. No caso de um combate contra um chefão, ela assume o tom de um narrador de luta lá de meados dos anos 1900 – inclusive, quando o assalto começa, é ouvido um sino. Já nas fases “run ‘n’ gun”, a voz se torna mais instigante e desafiadora, como se você estivesse em um torneio em que houvesse outros vários adversários para competir.

O humor mais ácido típico da época também está presente. Personagens como uma moeda que odeia bancos ou um peixe que está pescando recheiam o mapa. Apesar de não querer dar um tom político ao jogo, os desenvolvedores captaram bem a atmosfera irônica dos desenhos dos anos 30.

A moeda que odeia bancos e o peixe pescando são exemplos do humor ácido de Cuphead (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Tudo mencionado neste tópico foi para dar uma noção do clima de imersão do game. Você se sente no meio de um desenho dos anos 30 controlando os protagonistas e lutando com os vilões – e isso às custas do seu trato com o Diabo. Até mesmo são colocados uns efeitos de película antiga e um leve embaçado para dar um tipo de acabamento final de antiguidade na imagem.

SHOW, E O GAMEPLAY?

No site da desenvolvedora, é dito que alguns games influenciaram Cuphead. Como exemplo estão Super Mario World, Street Fighter III, Mega Man e etc. Já dá para ter uma ideia do estilo de jogo, certo?

Os comandos são bem simples e não diferem muito do que é visto por aí. Como na maioria dos títulos atuais, você também pode comprar “upgrades” (ou aperfeiçoamentos) de suas armas ou técnicas na loja do game – por sinal, o dono do estabelecimento é um porquinho, ao mesmo tempo, fofo e mal-encarado, que fica olhando para o relógio quando o cliente demora e não compra nada.

O porco dono da loja é fofo e mal-encarado em Cuphead (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

O único problema é que você só consegue as moedas em fases ou procurando pelo mapa e fazendo sidequests, mas a grande maioria está em estágios. Como grande parte do jogo é voltada à luta contra chefões, fica mais difícil conseguir dinheiro. Mas não se preocupe: melhorar habilidades não garante efetividade.

A mecânica funciona bastante bem. Em nenhum momento do período de testes Cuphead executou um movimento errado. Pelo contrário, os controles são sensíveis – principalmente a alavanca – e respondem ao simples toque. O mesmo pode ser dito no que diz respeito à interação com o ambiente. A proposta não é inovar no gameplay e o jogo é, sobretudo, em 2D, o que combina com o projeto e gráficos. O único momento em que muda para a terceira dimensão é quando se está no mapa e é necessário fazer uma pequena exploração.

Neste caso, as críticas se voltam à lentidão de Cuphead. As áreas não são inteiramente interligadas, o que é bem legal, porque o jogador é obrigado a lutar contra todos os chefes para se locomover. Em contrapartida, você precisa dar uma volta maior para chegar em um lugar e, como Cuphead anda devagar, isso pode ser um pouco chato.

Uma forma de conseguir moedas em Cuphead é nas fases (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Além disso, apesar de ser caprichado, o mapa em 3D não parece casar muito com a idealização do game. Claro que é compreensível ter uma quebra entre as fases e o mapa, mas, a meu ver, isso é uma descontinuação muito abrupta.

Em relação à dificuldade, só digo uma coisa: eu morri mais de 300 vezes – e ainda estou contando. Isso não quer dizer que eu seja, necessariamente, ruim, mas engloba algo maior: o alto nível de desafios. Para começar, não há checkpoint. Ou seja, se você perder, recomeça a fase desde o início. Porém, uma coisa muito boa, é que não há “game over”. Perca várias vezes ou não, você pode reiniciar o estágio quantas vezes quiser.

Já para confrontos, existem dois “níveis”: simples e regular. De simples, o modo não tem nada. O gráfico pode ser mais fofinho, mas não se engane! O próprio FAQ do game diz que Cuphead pode ser desafiador, mas é isso que faz a vitória valer mais.

Em Cuphead, você só sabe o nível da vida do oponente quando já perdeu (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Realmente, quando um boss ou uma fase (a maioria, devo acrescentar, é BEM difícil) é finalizado/a, você se sente o melhor jogador do mundo. É como se você tivesse superado um obstáculo e toda sua frustração em não acertar aquele pulo ou tiro é recompensada.

Não me entenda mal, não é nada que seja impossível de realizar, mas dificilmente você vencerá na primeira vez em que encarar um chefão. Até porque, quando em combate, o jogador não tem noção alguma de quanto de vida falta para se vencer o oponente. A única pista vem no final, quando você já perdeu, em uma tela que mostra o caminho percorrido e quanto faltava para a vitória.

FEAT. MUGMAN

O foco do game é o multiplayer local. Existem boatos de que o co-op será expandido para o online, porém, nada foi confirmado ainda. Em teoria, Cuphead e Mugman estão envolvidos no acordo com o Diabo e precisam vencer todos os chefões se quiserem se salvar.

Mesmo jogando sozinho, NPCs falam como se houvesse player 2 (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Jogar sozinho ou acompanhado não tem uma mudança muito brusca na história ou gameplay. Mesmo jogando apenas com Cuphead, todos os outros personagens falam como se estivessem na presença dos dois. Com Mugman, além de se conseguir reviver o coleguinha com um parry, você ganha um reforço de um player 2 o que, claro, deixa o jogo bem mais divertido.

DESCULPE, O QUE VOCÊ DISSE?

O jogo não é dublado e o máximo de sons que os personagens emitem são uns grunhidos relativos à sua aparência/forma. Nós entendemos o que está acontecendo por causa de balões de fala e de parágrafos de livros que aparecem nas cutscenes.

Quer dizer, “nós entendemos”, entre muitas aspas. Como já mencionado, Cuphead tenta, todo o momento, parecer com um desenho da década de 1930. Isso reflete, também, em sua linguagem. Como o game ainda não foi traduzido para o português, os jogadores ficam reféns de um inglês cheio de gírias dos anos 30 e contrações de palavras.

Linguagem em inglês dificulta o entendimento de Cuphead (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Claro, não é impossível de compreender – inclusive, dá para ter um entendimento geral da história -, porém, uma parte considerável do conteúdo é posta de lado por causa disso. A desenvolvedora disse que está trabalhando em traduções, mas, por se tratar de uma equipe pequena e muitas línguas, pode demorar.

CARREGANDO........

Uma das maiores críticas desse jogo é a demora do loading. O game estava com o download completo no console e não utilizava serviços online. Mesmo assim, era grande a demora para sair ou entrar de uma locação. Para todos os efeitos, a tela de espera é até bonitinha: com tudo preto e ainda com um quê de película antiga, uma ampulheta animada roda enquanto você espera. Apesar da fofura, várias vezes, encarei o desenho com bastante desânimo.

Cuphead: o loading é muito grande (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)

Inclusive, aconteceu bastante de, sem querer, eu pressionar para sair da fase em vez de clicar para lutar com o boss novamente. Umas vezes, quando isso ocorria, eu me sentia desmotivada a voltar ao estágio, graças ao tempo de espera. Outras vezes, eu perdia totalmente o timing do chefão.

CONCLUSÃO

Cuphead está longe de ser um título para crianças. O jogo é focado em adultos e pesa na hora de apelar para a nostalgia, principalmente pela aparência. O carregamento imenso e a falta de tradução são elementos que dificultam o maior entrosamento com o jogador. Por outro lado, a música original e o acabamento são belíssimos e motivam a continuar a jogar. Com uma dificuldade exacerbada (mas não impossível) e, entretanto, recompensadora, o game tem uma história regada ao humor ácido e sem moralismo algum. Vá ou não ao cassino, só tome o cuidado de não fazer apostas com o Diabo. 

Cuphead: um jogo sem moralismo (Foto: Reprodução/Amanda Rebelo)
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