Estamos nos aproximando da ocorrência de um fenômeno jamais visto no campo da informática pessoal: a migração praticamente simultânea de sistema operacional de centenas de milhões de usuários.

Senão, vejamos.

Tenho acompanhado desde os albores da era dos computadores pessoais a evolução dessas máquinas que, naqueles dias, pareciam mágicas e não cessavam de embasbacar seus próprios usuários. Evolução que, por sua vez, forçava o sistema operacional também a evoluir para poder tirar proveito das novas funcionalidades do hardware. E assim por diante.

Foi assim quando a disseminação das “máquinas de 32 bits” ensejou o desenvolvimento de sistemas operacionais capazes de rodar mais de um programa simultaneamente e, um pouco mais tarde, quando a evolução dos coprocessadores gráficos permitiu que fosse adotada a interface gráfica.

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Os novos sistemas iam então surgindo (e, alguns, desaparecendo por falta de habilidade comercial de seus desenvolvedores, como o saudoso OS/2) e novas versões eram liberadas para tirar proveito da evolução do hardware. E os usuários migravam para elas para usufruir das novidades que ofereciam.

Mas essa migração se dava aos poucos. Primeiro porque, para que se tirasse proveito de tudo o que as novas versões de SO ofereciam, geralmente era preciso trocar de máquina para uma com maior capacidade de processamento. Depois, porque do ponto de vista de mercado, seria um suicídio lançar uma nova versão de SO que não fosse retroativamente compatível (ou seja, que não rodasse os programas desenvolvidos para as versões anteriores), o que permitia que o usuário continuasse a usar seu software até escolher a hora de migrar.

Então, quem queria e podia, migrava. Do contrário, esperava algum tempo até que a lei da oferta e da procura fizesse com que o hardware capaz de suportar com garbo o novo SO se tornasse acessível e, o mais importante, que o novo sistema revelasse seus inevitáveis “bugs” e fragilidades que eram então corrigidos, tornando-o mais estável. E somente então, caso fosse bem aceito, o novo sistema se disseminava entre os usuários.

Havia também a questão do mercado, que naqueles dias era bem menor. Lembro-me, nos idos dos anos noventa do século passado, da forte impressão que causava a quantidade de PCs existentes no planeta, coisa da ordem dos duzentos milhões de unidades. Com um mercado deste porte, caso fosse lançada uma nova versão de SO tão boa que atraísse um quarto dos usuários de PC nos primeiros meses, o número de migrantes seria de 50 milhões. Que teriam que adquirir os disquetes que continham a nova versão do sistema operacional (certa feita instalei um sistema operacional que era fornecido em 28 disquetes de 3,5”) e usá-los para a complexa tarefa de instalação que muitas vezes obrigava que o disco rígido fosse reformatado, o que punha a perder os dados e exigia que, antes, uma cuidadosa cópia de segurança fosse feita e, depois, que todos os programas fossem reinstalados e a cópia de segurança restaurada. Tarefa que muitas vezes consumia um final de semana inteiro…

Depois os sistemas operacionais “aprenderam” a oferecer a possibilidade de manter os dados e os programas instalados, vieram os discos óticos com sua maior capacidade e, por fim, surgiu a Internet que simplificou extraordinariamente as tarefas de instalações e atualizações de software em geral, incluindo sistemas operacionais.

Mas ainda assim a migração de sistema ou de versão de sistema operacional representava uma ruptura. Havia que tomar a decisão de migrar, adquirir os disquetes – ou, pelo menos, os direitos de instalação – do novo sistema ou versão, verificar questões de compatibilidade com aplicativos e hardware e coisas que tais.

A migração se dava, então, em ondas. Lançado um novo sistema ou versão, havia sempre uma leva de usuários açodados que faziam questão de se manter sempre em dia com as novidades e o instalavam imediatamente, fazendo a curva de vendas subir rapidamente. Depois, enquanto os demais usuários, espertamente, esperavam “para ver no que ia dar”, a curva se voltava para baixo. E somente voltava a subir na medida que os “bugs” iam sendo corrigidos e as notícias e impressões sobre as vantagens e desvantagens do novo sistema o

... u versão iam se espalhando entre os usuários. Então a curva voltava a crescer rápida ou lentamente, dependendo do sistema ter ou não agradado ao mercado. Windows Vista e Windows 8, por exemplo, tiveram uma curva de crescimento extremamente lenta, enquanto as de Windows XP e Windows 7 subiram como foguetes.

Mas nunca um número tão grande de usuários migrou em um tempo tão curto como o da migração que estamos prestes a observar nas próximas semanas.

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Menu Iniciar da build 10162 do Windows 10 (Foto: Reprodução/B.Piropo)

Isto porque hoje, data de publicação desta coluna, é dez de julho de 2015 e dentro de pouco mais de duas semanas, mais precisamente em 29/07/2015, o novo Windows 10 será oficialmente lançado no mercado. E a nova estratégia adotada pela Microsoft, que trata a mudança de sistema operacional como uma atualização rotineira e, sobretudo, gratuita, vai fazer com que, quase que da noite para o dia, algumas centenas de milhões de novos usuários passem a usar o novo sistema operacional.

Como tudo na vida, isso pode ser bom ou pode ser ruim.

E suspeito que, para a grande maioria dos migrantes, fazê-lo assim em grande número será ruim.

Senão, vejamos.

No que me diz respeito, será ótimo. Afinal, cedo aderi ao programa “Windows Insider” e desde o segundo semestre do ano passado despendi mais tempo usando o Windows 10 instalado em minha máquina reserva (que tem ultimamente exercido o papel de titular) que o Windows 8.1 da máquina principal. Recebi e instalei todas as etapas de atualização do sistema, ou “builds” (esta coluna está sendo digitada na mais recente, a 10162, veja a nota no canto inferior direito da tela exibida na Figura 1) e acompanhei sua evolução na medida em que as novidades iam sendo implementadas, muitas vezes as comentando com vocês aqui ou alhures. Portanto, quando o novo sistema operacional se refestelar por sua própria conta na máquina principal, não sentirei qualquer dificuldade em continuar trabalhando com ela apesar das diferenças, pois já as conheço todas e muito bem.

Isto ocorrerá também com os demais quatro milhões de usuários que aderiram ao programa Windows Insider. E, talvez em menor medida, com a maioria de meus preclaros leitores e egrégias leitoras que se deram ao trabalho de ler as colunas que tenho escrito nos últimos meses sobre as mudanças que vêm sendo introduzidas no sistema, pois, mesmo sem terem “metido a mão na massa”, pelo menos sabem o que devem esperar. Acrescentando a estes os leitores de outros colunistas, analistas e especialistas de todo o planeta que têm escrito sobre Windows 10 nos últimos meses e apelando para algum otimismo teremos por aí, digamos, cerca de 83 milhões de usuários bem informados sobre o novo sistema que o receberão de bom grado em suas máquinas e não terão grande dificuldade em lidar com ele (já irá entender porque 83 e não 50 ou cem). E, acreditem nesse seu velho e calejado amigo que já enfrentou dezenas de mudanças de sistema desde o MS DOS 3.1 nos idos dos anos oitenta do século passado: terão em mãos um excelente SO.

Mas o que ocorrerá com o restante dos usuários?

Uma parcela razoável (que inclui uma mescla de tipos que vão desde o paranoico irredutível ao “cara que é obrigado a usar o Windows mas detesta a MS”, passando pelo ressabiadíssimo usuário que migrou para Windows 8 achando que o sistema seria uma maravilha, quebrou a cara e até hoje chora a perda do Menu Iniciar) se recusará a instalar Windows 10 e resistirá enquanto puder. É verdade que cedo ou tarde serão forçados a migrar tangidos pelas irresistíveis forças do mercado, que atualizarão os aplicativos para o novo sistema e tornarão suas versões de Windows obsoletas, combinadas com o denodado esforço da MS que desta vez parece trilhar o caminho certo e tem ouvido com seriedade – e, o que é melhor, respeitado – as opiniões dos milhões de usuários do programa Windows Insider. Quando esta parcela resistente de usuários migrará é coisa para ser discutida dentro de alguns meses ou alguns anos, dependendo de quão apegados eles estão à sua velha versão, seja ela qual for – e convém lembrar que ainda há cerca de 180 milhões de usuários de Windows XP.

Os demais, levando em conta a facilidade de instalar e, sempre convém enfatizar, o fato de ser gratuita, permitirão que a atualização para Windows 10 se abolete em suas máquinas. Passarão então a usar um sistema operacional desconhecendo praticamente tudo sobre as mudanças e inovações que a ele foram integradas e terão que aprender a usá-las a toque de caixa. E, considerando que eles pouco ou nada terão que fazer para que o sistema se aninhe em suas máquinas exceto clicar em um botão “instalar” e esperar que a instalação seja concluída sem que tenham que dispender um tostão, isto deverá ocorrer em poucas semanas.

Quantos serão estes migrantes de primeira hora?

Bem, certamente se restringirão a uma parcela dos atuais usuários de máquinas a serem contempladas com a atualização gratuita de sistema, a saber: as que estão rodando Win 8, Win 8.1 e Windows 7.

Então vamos fazer uma estimativa de seu número.

Conforme dados da própria Microsoft, há no mundo hoje 1,5 bilhão de pessoas que usam Windows diariamente.

Já segundo dados da NetMarketshare, a porcentagem de usuários de outros sistemas que não Windows (Linux, com 1,61%, MacOS, com 4,54% e outros, com 3,26%) somam pouco menos de 10% do mercado (9,41% para ser exato). Portanto, os 1,5 bilhões de usuários de Windows correspondem a 90% do mercado.

Esta mesma fonte dá conta de que Windows 7 reina soberana entre os sistemas operacionais para PC desfrutando 60,98% do mercado, enquanto Windows 8.1 abocanha 13,12% deste mercado e Windows 8 detém 2,9%. Os três somados detêm exatos 77% do total do mercado.

Uma regra de três simples revela então que o número de usuários que farão jus à atualização gratuita chega a 1,283 bilhões. Um bocado de gente.

Descontando aquele pelotão otimisticamente estimado em 83 milhões que não terão dúvidas em migrar e estão razoavelmente bem informados sobre o sistema, sobrarão um bilhão e duzentos milhões de usuários Windows que terão direito à atualização gratuita (entendeu agora porque a conveniência de escolher 83 milhões lá em cima? Sendo a escolha arbitrária, optei por um valor que arredondasse o total…)

Destes um milhão e duzentos mil, quantos migrarão na primeira hora?

Considerando que a imensa maioria dos usuários comuns não tem nem deseja ter qualquer conhecimento sobre detalhes técnicos do sistema operacional que utilizam, não se interessam sobre as peculiaridades do mercado, mal ouviram falar de Windows 10 e em pouco mais de duas semanas se depararão com a oferta de algo novo, portanto mais moderno, o que em princípio significa “melhor” e a custo zero, presumo que a tendência venha a ser aceitar.

Por outro lado, vamos supor que, seja porque leram algo a respeito nas redes sociais, seja porque ficaram ressabiados com a última e desastrosa mudança de versão (para Windows 8.1) ou seja por qualquer outra razão, um grande contingente não se disponha a mudar.

Então, pese os prós e os contras, analise o dilema que será enfrentado pelos usuários que passarão a receber insistentes mensagens da MS os instando a migrar ressaltando que é fácil e gratuito, imagine a reação desta multidão de mais de um bilhão de pessoas e procure pensar com a cabeça deles, cuja imensa maioria não conhece nem tem interesse em conhecer as informações de que você dispõe (afinal, se teve paciência de chegar até aqui, você está lendo com interesse uma coluna em um site dedicado à tecnologia e portanto há de ser um usuário bem informado).

Quantos migrarão? A metade?

Consideremos que sim, embora dadas as circunstâncias acima descritas eu acredite que seja até um pouco mais que isso. Mas fiquemos com esta estimativa, que parece sensata.

Então, dentro de um par de meses, teremos em todo o mundo seiscentos milhões de pessoas usando um novo sistema operacional que jamais tinham visto antes, sobre o qual pouco sabem além do fato de ter sido gratuito e que, para a maioria (que migrará diretamente do Windows 7), é bastante diferente do sistema a que estão acostumados.

Não lhe parece a instauração do caos?

Eu não sei não, mas se a MS não se desdobrar em um gigantesco esforço para informar usuários leigos como usar Windows 10, veremos nos próximos meses centenas de milhões de pessoas vivendo tempos bastante interessantes…

PS 1: Só para informar: uma das mais temidas maldições chinesas é “que viva tempos interessantes!”

PS 2: Se você se encontra entre esses supostos seiscentos milhões, sugiro que migre, mas procure se informar sobre as peculiaridades operacionais do Windows 10. O sistema é poderoso, intuitivo, fácil de usar, mas evidentemente exige algum empenho para se familiarizar com suas novas funções. Faça um mínimo de esforço que, garanto, se sentirá recompensado.

B. Piropo



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