Esta é uma coluna de despedida, mas não uma despedida radical, tipo “adeus”. É mais uma despedida tipo “Até um dia, até talvez, até quem sabe…”, como a da linda canção de João Donato e Leila Pinheiro.

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Explico.

Lá pelos meados dos anos oitenta do século passado eu comprei um computador para poder continuar a exercer minha profissão de engenheiro assim que descobri que, sem computador, não daria para trabalhar.

E gostei.

Gostei tanto que me apaixonei pelo assunto. A máquina era mais que uma ferramenta: era um desafio, um jogo de obstáculos, um problema de lógica interessantíssimo. Para quem, como eu, gosta de matemática, lógica e eletrônica, era um parque de diversões. Uma Disneylândia.

Naqueles tempos, para um leigo usar um computador era preciso desvendar um mistério atrás do outro. Para começar, havia que se descobrir o sentido e os efeitos – por vezes totalmente inesperados – dos comandos que tinha que digitar para fazer a máquina funcionar, pois o sistema operacional era acionado via “interface de caracteres”, onde digitavam comandos sucessivos na “linha de comando” (um negócio parecido com o que hoje chamamos de “Prompt de comandos”).

Ainda não tinhamos interfaces gráficas e o Windows 3, primeiro com um mínimo de usabilidade, só viria a aparecer no início da década seguinte – mesmo assim pouca gente fez fé.

"Até um dia, até talvez, até quem sabe..." (Foto: B. Piropo)

O problema é que não havia onde aprender. Livros, apenas em inglês e ainda assim não eram fáceis de encontrar (eu tinha a sorte de viajar bastante, o que me permitia comprar alguns no exterior). Cadernos de informática, nem pensar – pelo menos nos jornais do Rio de Janeiro, onde morava e ainda moro.

Os poucos artigos que havia sobre computadores eram escritos mais com o objetivo de exibir os conhecimentos do autor do que para transferir estes conhecimentos para os leitores. A exceção era uma coluna do velho Jornal do Brasil intitulada “Circuito Integrado” e assinada pela Cora Ronai, uma jornalista que sabia de computadores tanto quanto os autointitulados “especialistas”, quer dizer, relativamente pouco, mas escrevia muito bem e tinha a coragem de perguntar aos leitores.

Estranho, não? Quando Cora tinha uma ou outra dúvida sobre algum ponto obscuro relativo aos computadores sobre os quais escrevia (e olhe que pontos obscuros não faltavam), ela simplesmente relatava o problema. E acrescentava: “será que algum leitor pode ajudar a esclarecer?”.

Mas isso não era comum e a Cora tinha muito, mas muito mais a ensinar do que a perguntar. Sua coluna não somente era boa de ser lida como era a única fonte, na imprensa brasileira da época, onde os leigos podiam absorver algum conhecimento sobre computadores. E se tornou minha leitura obrigatória às segundas-feiras pela manhã, quando era publicada.

A vida foi seguindo e minha inesgotável curiosidade sobre computadores e a tenacidade com que eu me dedicava a desvendar seus mistérios e vencer seus desafios acabou me elevando à categoria dos raros indivíduos da época “que entendiam de computador”.

Não foi fácil. Fiz até curso de montagem de micros – e tive que ir para São Paulo e lá permanecer quase uma semana exclusivamente para este fim, pois no Rio ainda não os havia na década de 1980. Li tudo o que me caía nas mãos – e lia em papel impresso, pois a Internet como a conhecemos hoje ainda não existia. Fiz cursos de programação, do básico até Assembly (sim, programei em Assembly para o 8086, um negócio complicado, mas extremamente prazeroso).

 Me associei a tudo quanto foi BBS que havia (não sabe o que é BBS? Google explica) para aprender um pouquinho mais até que, um dia, acabei me convencendo de que sabia mais do que pensava. De repente, me dei conta que as dúvidas que eu postava iam ficando raras, enquanto as que os demais membros postavam eram quase todas esclarecidas por mim. Ainda e

... ncontro por aí vários colegas de BBS que lembram deste tempo bom e de meus pitacos.

E foi assim que sempre que Cora Ronai acrescentava alguma de suas dúvidas ao “Circuito Integrado” eu me apressava a responder. E mais: volta e meia eu me metia a dar palpites nos assuntos da coluna. Nasceu assim uma curiosa amizade (que se estreitou e dura até hoje) baseada em trocas de informações via coluna e cartas.

Até que um dia o Circuito Integrado desapareceu.

Quer dizer, não desapareceu propriamente dito. A coluna continuou a ser publicada, mas depois de uma despedida educada, Cora não mais a escreveu – o que vinha a dar mais ou menos no mesmo que ter desaparecido.

Pena. Lamentei muito, mas fazer o que? Meu interesse por computadores perdurava e eu continuei a ler sempre com a mesma avidez tudo o que me caía as mãos, continuei a montar minhas máquinas apesar dos tempos difícies da reserva de mercado de informática, quando trazer componentes de computadores para o Brasil era um crime tão grave quanto o tráfico de drogas. E assim a vida seguiu.

Alguns meses mais tarde recebi um telefonema da Cora me informando que não apenas ela tinha sido convidada para editar o primeiro suplemento de informática da imprensa carioca – o “Informática Etc.” do jornal O Globo – como havia decidido me convidar para assinar uma coluna no dito cujo.

A surpresa foi imensa. E depois de uma relutância não muito convincente (não convenceu nem a mim mesmo) eu aceitei.

E foi assim que nasceu B. Piropo e eu passei a levar vida dupla.

Dei à coluna o título de “Trilha Zero” não apenas por ser esta a trilha mais importante dos discos rígidos e disquetes (que reinavam absolutos na época) por guardar as informações que permitiam ao sistema operacional acessar seu conteúdo, como também por ser uma coluna dedicada a leigos e principiantes. Afinal, a trilha zero assinalava bem o ponto por onde começar a trilhar os tortuosos caminhos da informática.

Desde então publiquei milhares de colunas. Sem exagero. Afinal, desde a primeira publicada em março de 1991, transcorreu quase um quarto de século ao longo do qual publiquei pelo menos duas colunas por semana, seja no suplemento “Informática Etc.” do Globo, seja em dezenas – também sem exageros – de outros veículos, primeiro da imprensa escrita (cheguei a publicar colunas sobre informática na revista feminina “Mulher de Hoje”, que já não mais existe), depois na Internet.

Foi coluna demais. E quase todas ainda estão à disponíveis no site bpiropo.com.br, a maioria na seção “Escritos”.

Durante todos esses anos escolher o assunto, pesquisar, escrever e publicar cada coluna foi um prazer. Cobrir eventos um prazer maior ainda. E, para quem gosta de viajar como eu, quando o evento era no exterior, o prazer dobrava. Uma festa. Um deleite.

Mas o tempo passou e eu me tornei um quarto de século mais velho. E olhe que quando comecei já não era um garoto, era um jovem cinquentão (hoje, sou um jovem septuagenário).

Foi então que o cansaço bateu.

Escrever colunas sobre computadores ainda é um prazer. Informática ainda é meu assunto preferido, um hobby que me fez abraçar uma segunda profissão (continuo engenheiro e tem muita gente que pensa que sou jornalista). Trocar opinião com os leitores continua sendo uma atividade das mais agradáveis.

Mas manter a obrigação de entregar duas colunas por semana (além daqui, escrevo em outro portal no qual também estou me despedindo dos leitores) é que já não dá mais.

A obrigação estraga o prazer (os maridos das deusas da mídia que me desculpem, mas se eles pensarem bem acabarão por perceber que não deixo de ter razão – se é que já não estão fartos de saber).

Então esta é a última de minhas colunas regulares no TechTudo.

Mas então isto é um adeus?

Não.

Pois eu já combinei com meu editor, o jovem e competente Fabrício Yuri Vitorino, que quando eu encontrar um assunto interessante que ache valer a pena dividir com vocês, leitores, escreverei uma coluna avulsa que, se for do interesse do TechTudo, será publicada.

O ciclo que se encerra com esta coluna é apenas o das colunas regulares, obrigatórias, semanais, para tirar de meus ombros o peso da obrigação que mata o prazer.

Mas o colunista continuará colunista enquanto disto puder tirar algum prazer. Com que frequência, não sei. Sei que não será grande. 

E mais: há muito tempo que penso em escrever colunas sobre assuntos que não sejam ligados à informática. Aquilo que os jornalistas chamam de “crônicas”. O problema é que elas não caberão aqui.

Então pretendo dar vida nova ao site do Piropo. Lá, além de manter o acervo de tudo o que escrevi sobre informática, pretendo volta e meia meter meu nariz onde não fui chamado e escrever sobre o que me der na telha. De preferência escolhendo temas bem humorados. 

Breve tomarei as providências devidas e, assim que o site do Piropo for reinaugurado, avisarei a todos via redes sociais.

Pois é isso.

Em resumo: pretendo voltar a publicar colunas, aqui e no Sítio do Piropo, mas não mais com a obrigação de manter qualquer regularidade.

No mais, é agradecer.

Minha primeira coluna aqui foi publicada em dezembro de 2010. Sempre recebi, tanto do Fabrício, meu editor, quanto de todo o restante da equipe, um tratamento amistoso, respeitoso e cordial, que logo me fez sentir membro da equipe apesar de não frequentar a redação. Agradeço a todos este tratamento e até mesmo alguns privilégios que me foram concedidos embora eu não os mereça. Meu obrigado sincero a toda a equipe.

Mas agradeço, sobretudo, a todos vocês que dedicaram alguns minutos de sua semana para ler as bobagens que escrevo aqui. Colunista sem leitores não faz sentido. É a vocês, meus leitores e leitoras, que devo minha presença aqui. E é principalmente a vocês que agradeço do fundo do coração.

Obrigado. E até um dia, até talvez, até quem sabe…

B. Piropo



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