IoT, do inglês, Internet of Things (Internet das Coisas, em português) é o tema da 17ª edição do FISL — o Fórum Internacional Software Livre, evento sobre tecnologia livre que acontece de 13 a 16 de julho em Porto Alegre. Como não poderia deixar de ser, o evento traz tanto vozes críticas quanto elogiosas à tendência tecnológica de dotar objetos comuns (como camas, portas, carros) de capacidade para absorver informações, comunicar-se com a Internet e tomar decisões autônomas. Tudo, é claro, visando o bem-estar do usuário.

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Entretanto, é possível que as máquinas possam decidir agir de maneira equivocada. E se, por exemplo, a sua pulseira decidir lhe dar um choque quando você não faz exercícios corretos, ou o banheiro optar por trancar a porta até que você lave as mãos? Esses casos parecem absurdos, mas são reais. As máquinas agora têm poder, e se nós não concordarmos com elas, sofreremos consequências. Seria este o temido lado ruim da Internet das Coisas.

Maiara Ferrari no FISL17 (Foto: Divulgação/Camila Cunha - FISL)

Tecnologia tirânica

“Tirania da IoT” é o sugestivo nome da palestra de Maiara Ferrari no FISL. Logo dá pra ver que a designer e especialista em branding é cética com relação à Internet das Coisas. “As empresas não querem desenvolver essas tecnologias para facilitar a nossa vida, mas para gerar lucro. Será que precisamos de alguém [uma máquina] para acender as luzes, para dizer que temos que comprar leite? É só abrir a geladeira!”, questiona.

O lucro, no caso, vem com o aproveitamento dos dados coletados. Uma cama capaz de monitorar as horas de sono, por exemplo, pode enviar a informação não somente para o seu médico, mas também para o seu plano de saúde, que utilizará a informação para cobrar mais se assim desejar.

A estudante de Ciências da Computação Juliana Oliveira, palestrante do FISL, também problematiza. “Será que a gente precisa mesmo dessa comunicação? Acho que tem que ter uma finalidade, não usar simplesmente porque é bom, mas procurar saber o que é feito com esses dados”, argumenta.

Juliana Oliveira na palestra "IoT: Things or People?" (Foto: Divulgação/Camila Cunha - FISL)

Juliana e Maiara alertam que toda essas informações coletadas pelos objetos ficam guardadas em plataformas proprietárias. Ou seja, da empresa fabricante. Logo, essa empresa detêm informações tão íntimas quanto as horas de sono ou o conteúdo da geladeira dos usuários.

“Estamos praticamente pelados na frente das empresas, da nutricionista, do plano de saúde… Eles vão saber de tudo”, alerta Maiara, que vê problemas em todo esse entusiasmo com Internet das Coisas.

Pulseira Pavlov

Talvez você já tenha ouvido falar do experimento de Pavlov, em que um sino é tocado toda vez em que se coloca comida na frente de um cachorro. Com a repetição, o cachorro começa a salivar ao ouvir o som do sino, mesmo que não haja comida nenhuma. O experimento comprova que é possível fazer cães (e humanos também) associarem estímulos a comportamentos. Evitando comportamentos ruins.

A pulseira inteligente Pavlok trabalha com o mesmo princípio: treinar o usuário a reagir por estímulos. No caso, o estímulo é um choque. Você pode programar a pulseira para lhe dar um choque caso não tenha corrido o número necessário de quilômetros num dia, ou caso você comece a roer as unhas.

Você também pode delegar o choque a amigos, que ficam responsáv

... eis por acionar a descarga elétrica toda vez que você fizer algo “errado” (comer doce, por exemplo). Assim, você associa o hábito à dor.
Ilustração mostra o que acontece a quem tenta burlar o Pavlok (Foto: Divulgação/Pavlok)

“Um garoto que testou o Pavlok diz que o choque dói muito, equivale à picada de uma super abelha”, adverte Maiara. É importante lembrar que a comunidade científica não reconhece mais o tratamento por choques como um tipo válido de tratamento psicológico. Logo, essa não parece uma boa ideia.

Mas, se você achou o Pavlok radical, espere até conhecer o Safeguard Germ. Trata-se de um daqueles esguichos de sabonete líquido usados em banheiros públicos, com a diferença que, se você tenta sair do banheiro sem usá-lo, um alarme é acionado. A porta do banheiro tranca, e você fica preso até lavar as mãos. A tecnologia foi testada em banheiros dos EUA e Tailândia, e levanta questionamentos.

“Será que leva em consideração a cultura, os problemas sociais e comportamentais? O que essa tecnologia faz é jogar os nossos defeitos na nossa cara e cobrar um comportamento”, explica Maiara.

Por uma tecnologia "mais calma"

É possível pensar em saídas para trazer a IoT para o “lado da Luz”. Uma delas é a utilização de código aberto. Por enquanto, os dispositivos de uma empresa só se comunicam com outros dispositivos compatíveis e da mesma empresa. O usuário fica refém de uma só marca. Imagine se a startup responsável pela tranca eletrônica da sua casa desaparece. O que fazer? Isso pode ser solucionado com a adoção de código aberto ou de middlewares (programas que fazem a conexão entre duas linguagens diferentes), que permitam que dispositivos de diferentes fabricantes conversem entre si.

Outra saída é mudar a nossa relação com a tecnologia. Para isso, existem os preceitos da calm technology, movimento que diz que a tecnologia não deve agir “no” humano, mas “ao redor” do humano. Ela deve servir para criar calma e informar somente aquilo que a gente precisa saber na hora certa.

Invenções como a pulseira de choques ou o Safeguard Germ não têm nada de silenciosas e, ao contrário do que diz a calm technology, contribuem para gerar ainda mais ansiedade. O mais preocupante é como esse monte de avisos, alarmes, choques e automações afetam o comportamento humano a médio prazo. Isso nos tornará menos atentos? Mais ansiosos? Teremos comportamentos similares aos cachorros de Pavlov, obedecendo sinos tocados por máquinas?

“Não houve estudo de risco. A gente está sendo jogado nesse mundo sem ninguém saber o que vai acontecer. E as empresas não se importam com isso”, encerra Maiara.



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